Voz da Comunidade

22 fevereiro 2017


Na manhã do domingo 28, dezenas de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos se aglomeravam nas ruas que dão acesso ao conjunto de favelas conhecido como Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, para registrar a incursão das forças de segurança do Estado num território dominado por traficantes. Trajados com coletes à prova de balas e até com capacetes de guerra, nos momentos mais críticos, os profissionais de mídia tinham de correr para se proteger dos tiros. Enquanto eles reportavam para o mundo os detalhes da invasão, cinco moradores do Alemão – com idades entre 11 e 17 anos – postavam, em tempo real, informações sobre a ação da polícia, a reação dos bandidos e o cotidiano do morro no microblog Twitter. “Vão entrar é agooora”, publicaram, às 7h54. A experiência despretensiosa dos adolescentes deu tão certo que atraiu a atenção de Glória Perez. O número de seguidores do perfil @voz­dacomunidade explodiu de 180 para mais de 32 mil depois que a novelista da Globo recomendou a leitura do material produzido pela garotada. E a cobertura seguiu quente:

8:01 – É GUERRA mesmo! Muitos tiros. 
8:06 – INTENSO TIROTEIO NESTE MOMENTO NO COMPLEXO DO ALEMÃO! 
 8:10 – São 3 helicópteros da polícia sobrevoando a comunidade. 

Eu não imaginava que teríamos tanta repercussão”, disse à reportagem de ISTOÉ o estudante Renê Silva dos Santos, 17 anos. Ao expor a rotina da favela, com a autoridade de quem sente os problemas na pele, Renê acabou se tornando uma das principais vozes do morro nos últimos dias. Ele e os seus quatro amigos passaram a semana em programas de tevê e dando entrevistas para veículos nacionais e estrangeiros. “A comunidade ainda está tensa, mas já começa a ficar mais tranquila”, afirmou Débora Mendes, 11 anos, uma das colaboradoras do @vozdacomunidade, na tarde da quinta-feira 2. “Não queria morar em outro lugar porque adoro o Morro do Adeus. Mas acho que as coisas aqui poderiam ser um pouquinho diferentes. Deveríamos ter mais escolas, mais hospitais… essas coisas.” Embora sejam todos bem jovens, a turma de Renê aprendeu a tomar muito cuidado com as palavras. Falar ou escrever sobre o tráfico ou criticar a atuação da polícia, nem pensar. “Quero ressaltar que NÃO FIZEMOS NENHUMA DENÚNCIA sobre agressões no Alemão!” e “ATENÇÃO: A equipe do Voz da Comunidade não comenta nada sobre traficantes e nem policiais. Estamos sendo imparciais neste momento!” são alguns dos posts da segunda-feira 29. Renê criou o perfil @vozdacomunidade em setembro. A ideia era que funcionasse como uma espécie de extensão do jornal que tem o mesmo nome e é editado por ele desde 2005. Renê estava chegando à adolescência quando resolveu levar para a vizinhança o que aprendera na escola. “No início, o jornal tinha quatro páginas. Agora tem 16, é mensal e a tiragem é de dois mil exemplares. A próxima edição será em formato tabloide”, conta. “Não é difícil conseguir patrocínio. Publicamos anúncios de bares, restaurantes, mercados.” No periódico, há reportagens sobre saúde, gastronomia e perfis de moradores. Nada sobre criminalidade.


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